2 de abr. de 2009

As cidades catalizadoras


Catalizadoras é a característica das grandes cidades "matrizes" nas Regiões Metropolitanas. Como forças centrípetas gigantescas sugam dos municípios da periferia suas alternativas econômicas, de lazer e cultura. A estrutura econômica dos municípios que umbilicalmente se relacionam com elas sofre uma espécie de "atrofiamento" permanente e ascendente. É em direção a elas que se locomovem as pessoas para comerem sorvetes, comprarem alimentos, roupas, irem aos cinemas... Os que não conseguem ir por absoluta falta de condição financeira - a grande maioria - ficam na degustação das empoeiradas ou lamacentas ruas e becos de cidades cada vez mais desordenadas: para os homens nos fins de semana restam os bares de cachaça barata, para as mulheres, as igrejas pentecostais que se proliferam vertiginosamente. Uma parcela significativa, sem alternativas, degusta Silvio Santos, Gugu e o tradicional plim-plim da Rede Globo. Com o movimento de seus moradores em direção ao centro catalizador, vão com eles os recursos que não voltam, enfraquecendo a economia local, como uma espécie de mão única, sem retorno em benefícios para os contingentes da "periferia". Para as cidades periféricas sobra a tarefa de limpar o resíduo do consumo feito no centro catalizador. À elas cabe resolver os problemas dos rejeitados(as) pelo mercado de trabalho, adolescentes e jovens sem ocupação. São as cidades da periferia, que enfrentam o problema cada vez mais assustador de postos de saúde sempre superlotados de crianças e idosos, as grandes vítimas do sistema de exclusão. Como sangue-sugas gigantescos, os recursos adqridos com a venda da força de trabalho no centro catalizador são entregues na compra de alimentos aos grandes conglomerados do consumo, que se multiplicam em pontos estratégicos, asfixiando os pequenos e médios empreendimentos do comércio local.
Este debate é muito pouco colocado na agenda dos gestores locais que permanecem de forma isolada, tentando saídas isoladas. A gestão pública não acompanhou a dinâmica das mudanças estruturais dos últimos 50 anos. A compreensão tradicional da gestão das cidades esclerosou-se. Ainda não se consegue fazer uma leitura das profundas mudanças ocorridas. Inverteu-se completamente a situação campo-cidade. As cidades dormitórios da década de 80, vinte anos depois, tornaram-se cidades vivas, congestionadas de adolescentes e jovens que foram excluídos pelo mercado de trabalho, idosos e crianças que perambulam, suportando a ausência de programas e equipamentos que as incluam nas benesses que a cidade catalizadora oferece. Encurraladas por uma estrutura anacrônica de guetos - secretarias - onde cada uma olha para seu "feudo", a administração pública agoniza, oferecendo resistência em integrar ações e programas, buscando alternativas isoladas, desarticuladas, despotencializando recursos financeiros e humanos.
Os problemas vividos por uma só cidade da periferia do centro dinamizador são exatamente os mesmos vividos pelo conjunto delas. Faltam iniciativas que possam equalizar tempo, recursos, potencial humano e tecnologias disponíveis. A problemática do meio ambiente é um exemplo significativo deste flagelo. Em função dos problemas causados por apenas um município, todos os outros são vítimas diretas dos mesmos. O esgoto que faz de córregos e rios verdadeiras corredeiras apodrecidas, vai apodrecendo outros tantos que permanecem logo depois, contaminando a água, comprometendo lençóis subterrâneos, encarecendo-a no seu tratamento e gerando um número incontável de doenças desconhecidas, que logo depois vão desaguar na ampliação das filas dos postos de saúde do município periférico sem o recurso necessário e no olhar tristonho e frenético de seus habitantes. A ampliação do fenômeno urbano é uma realidade impossível conter. Somos seres coletivos por natureza. Precisamos criar espaços onde possamos ampliar o debate sobre os problema advindos desta nova realidade que nos provoca. Castells, no livro A Questão Urbana, afirma que "é necessário produzir, constantemente, novos conceitos, descobrir novas leis, à medida que as condições históricas mudam"(Castells, 1983, p. 13).
É nova na medida que não dominamos suficientemente os dados oferecidos por ela, as ferramentas conceituais que dispomos são insuficientes para dialogarmos com os novos fenômenos do urbano e com as necessidades de uma nova concepção do gerenciamento público. Temos a experiência da democratização do orçamento público através do Orçamento Participativo, e outras experiências semelhantes, que já é um avanço importante, porém os limites territoriais dos municípios impossibilitam ações articuladas, planejamentos estratégicos regionais... Várias temáticas poderiam tornar-se matrizes geradoras como questão relacionadas ao meio ambiente por exemplo, poderiam ser espécie de matriz articuladora que pensasse um desenvolvimento integrado, numa perspectiva solidária, rompendo territorialidades municipais falsas. Um desenvolvimento que seja sustentável no tempo e socialmente justo, com a distribuição equânime da riqueza gerada pelas grandes maiorias.
Outra matriz geradora poderia ser a cultura, através da reconstrução histórica dos nossos espaços urbanos, criando e mantendo equipamentos públicos que aglutinem gerações diferenciadas, proporcionando espaços de lazer, no cultivo do poético, do religioso como expressão da cultura, do artístico, com um programa integrado de ações, como o uso das escolas aos fins de semana, mutirões de limpeza de arroios, recriando o espaço e o tempo humano!
Assim também a questão do consumo, através de sua organização, não somente proporcionando a realização de feiras locais, mas centrais de abastecimento de caráter regional, com capacidade para atingir grandes contingentes humanos da periferia de nossas "cidades periféricas", interligados com centros produtores. Estes são alguns exemplos possíveis de articulação de ações de caráter regional. Pode-se começar um debate sobre o papel e a função das cidades catalizadoras e seus papéis no contexto regional, as responsabilidades a serem partilhadas, diante de sua capacidade de sugar potencialidades e recursos que poderiam ser distribuídos regionalmente.
O desafio é reunir forças, articular sujeitos sociais, constituindo coletivos regionais, que aglutinem movimentos organizados, Universidades, ONGs, poder público - com uma opção decidida pela radicalização da democracia e a inversão de prioridades, provocando espaços que articulem sociedade civil, iniciativa privada e poder público, onde se possam construir diagnósticos comuns de nossa territorialidade regional, construindo agendas comuns de eixos e ações integradas. Este desafio vai para além dos COREDES. É constituir um fórum regional de atores sociais permanentes, que estrategicamente possam planejar o Desenvolvimento Regional com sustentabilidade, na perspectiva da construção de um desenvolvimento, com parâmetros inclusivos, redimensionando concepções e valores até então hegemônicos.
pedro figueiredo
abril 2005
Texto originalmente publicado em

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